quinta-feira, 15 de abril de 2010

Valentes Noturnos - Evangelismo Underground


Movidos pela fé e o amor, jovens dispõem do tempo deles para ajudar pessoas que vivem no submundo
Cansados de dizer que têm uma religião e não fazer nada prático, três jovens deram início aos “Valentes Noturnos”, em 22 de novembro de 2005. Com o intuito de ver a mudança na vida das pessoas, Gustavo, Sharles e Isack superaram o medo e o preconceito. O trabalhou começou a ser realizado na Vila Rubim – centro de Vitória – com abordagens a alcoólatras, usuários de crack, prostitutas e traficantes, dando auxilio espiritual e à reintegração social.
O que teve início com três participantes, hoje, quase cinco anos de depois, o grupo conta com o triplo de pessoas, entre os 14 e 26 anos. O trabalho é realizado praticamente toda semana, sendo que em uma saem sexta à noite, nas ruas do centro de Vitória, e na semana seguinte no sábado à tarde.
O projeto iniciou-se com cristãos protestantes, mas de diferentes igrejas e denominações. Atualmente, por acreditarem que o mundo precisa de união e não discórdia, qualquer um que tiver vontade de ajudar é bem acolhido.
Os “Valentes Noturnos” atuam nas periferias e já visitaram praticamente toda a Grande Vitória. São Pedro, Andorinhas, Itararé e Ilha do Príncipe, todos já receberam a visita noturna dos voluntários. A incidência de maiores usuários de crack encontra-se na Vila Rubim e rodoviária. Sem esperança, essas pessoas acabam por se marginalizar, roubam para sustentar vícios e mesmo com vontade de mudança, não conseguem largar e se incluir na sociedade.
Trabalho voluntário exige perseverança, virtude importante para àqueles que querem ajudar. “Uma das nossas marcas é a alegria. Vamos à rua encontrar com pessoas tristes e precisamos levar algo diferente do que vivem. Andamos rindo alto, descontraídos, pra tentar mesmo “contaminá-los”. Mostrar para as pessoas que elas não precisam estar nas ruas”, comentou Gustavo de Biase, 22 anos, estudante de Serviço Social na Ufes.
Já conseguiram levar para casas de recuperação, mas algumas voltaram às ruas. Mesmo que esta seja uma situação triste, os motiva a continuar, porque perceberam que, mesmo com auxílio é difícil a pessoa se recuperar, e para as que não têm ajuda é ainda mais.
O psicólogo Ronaldo Pazini Marangoni acredita que trabalho voluntário não é uma ação que possa ser feita por qualquer um e a qualquer momento. A vulgarização desse tipo de trabalho é fruto do excesso de grupos com a mesma finalidade, mas que acabam por prejudicar mais do que ajudar.
É necessário ter qualificação, com projetos sólidos. A capacitação é fundamental na abordagem de pessoas em situação de rua, e o vínculo com instituições condicionadas a desenvolver projetos com mais segurança.
“Tivemos um exemplo agora do assassinato do cartunista Glauco e do filho dele, que tentaram ajudar outro rapaz. Será que ele tinha essa qualificação e competência? Ele tinha boa vontade, mas só isso não adianta. Tem que ter qualificação, o que as pessoas não estão se preocupando hoje”, afirma Ronaldo.
Cada escolha, uma renúncia
Viver nas ruas nem sempre é uma conseqüência. Muitas vezes são construções e escolhas de pessoas que não estão preparadas para abrir mão de vícios e costumes, em troca da ressocialização. A rua muitas vezes compensa o sacrifício, coisas que asilos e instituições não permitiriam. Dependentes químicos, perturbados ou não psicologicamente, conseguem na rua liberdade, relacionamentos e até o sustento de seus vícios.
Enquanto alguns escolhem viver renunciando o bem-estar pela liberdade de ir e vir e os efeitos de entorpecentes, outros preferem abrir mão de compromissos por causas sociais. O que geralmente leva jovens a realizar esse tipo de trabalho são os valores nos quais eles foram criados e que estabelecem como prioritários na existência deles.
A valorização do voluntariado pela mídia e pelas religiões, também afeta e cobra atitudes dessa geração. “Eles acabam se sentindo bem, ou em alguns casos acabam driblando a culpa que sentem pela situação a que se deparam, sentindo-se seres humanos melhores. Isso é recompensador”, garante o psicólogo.
Gratificação
Não são todas as pessoas abordadas que voltam para as ruas. Um rapaz encontrado na Praça dos Namorados foi levado a uma Casa de Recuperação, e hoje vive com a família na Bahia.
Mesmo assim, ainda acham pouco e agora caminham para uma nova etapa do projeto: Criar, planejar e esquematizar métodos de abordagens, realizar parcerias e conseguir apoios institucionais para, de fato, conseguir realizar uma intervenção concreta na vida das pessoas.
Em 2005, no começo dos trabalhos, o trabalho feito na Ponte Seca deixou-os com medo. Era algo novo e não sabiam quais seriam as reações das pessoas. Mas com o tempo, essa visão mudou.
Douglas Francisco, 26 anos, é estudante e participa do projeto. “Esse lance de ter alguma dificuldade na hora do trabalho é outro: você contra você mesmo. Eu admito que tive preconceito no início, mas depois de vivenciar tanta coisa eu mudei. Essa galera que mora na rua precisa ser ouvida, isso já satisfaz. O que a gente quer é criar um vínculo com essas pessoas, ouvindo elas e conversando”.
Aqueles que se consideram “Valentes Noturnos” acreditam que nasceram com a missão de passar boas mensagens às pessoas e às convencer de sair desse “submundo”.
Além da religião
Os Valentes Noturnos amadureceram com o tempo. Pararam de distribuir alimentos e roupas, pois acreditam que isso incentiva a permanência das pessoas na rua. O objetivo é “devolver” a pessoa a sua família, conseguir inseri-la no mercado de trabalho e fazer com que ela possa ter novamente uma vida digna.
“Quem vive em situação de rua está em outra realidade. O nosso mundo não é o deles. No início do trabalho eu vinha com roupas surradas para não chamar atenção, mas depois isso mudou. A gente se aproxima com o jeito de vestir, jeito de falar... é a “estratégia” de chegar perto. Muitas vezes nem falamos de Deus, só passamos uma mensagem boa, um incentivo àquelas pessoas a mudarem de vida mesmo”, relata Isack Mariano, 25, servidor público e integrante do projeto.

Expansão do projeto
Os “Valentes Noturnos” estão sendo convidados por muitas pessoas, igrejas e veículos de comunicação para falar deste projeto e com isso querem difundir a idéia do Evangelismo Underground de ir ao encontro daqueles que são “ignorados” pela sociedade e ajudá-los.
Pretendem, assim, formar outros grupos pelo Brasil, que sigam a mesma linha de trabalho e constitua um exército o qual a arma utilizada será o amor. Atualmente, estão com dificuldade de encontrar vagas nos centros de recuperação, para encaminharem as pessoas abordadas que querem se tratar. Por esta situação tem o plano de em breve ter a própria casa dos Valentes.
As pessoas compreendem o trabalho dos “Valentes”?
O porquê desse estilo de vida um pouco “diferente” sempre é questionado pelos amigos e colegas dos que participam do projeto. Mas não costumam ser entendidos e compreendidos, apesar de serem admirados. “Parece que estamos falando um idioma diferente para eles. A linguagem falada hoje pelos jovens e pela sociedade em geral, é a do individualismo, egocentrismo, ganância e da superficialidade”, Gustavo critica.
Num mundo globalizado, onde um cachorro de uma pessoa de classe alta tem mais direito que uma criança de periferia, as pessoas ainda se indignam mais com injustiça contra um cão, do que ao ver um ser humano de seis anos pedindo dinheiro no sinal ou usando crack nas calçadas. Lutar contra a ideologia da mídia do sistema é difícil, mas os jovens têm certeza de que não é em vão.
O grupo



No quesito “responsabilidade social”, ganharam o prêmio CAPIXABAS DO ANO, de A Gazeta.

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